terça-feira, 17 de abril de 2012

Fundos sem fundo II

«Em 4 de Julho de 2010, a Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD emitiu um comunicado para informar que tinha adquirido o passe (direitos de inscrição desportiva) do João Moutinho pelo montante de 11.000.000 € (onze milhões de euros).
Cerca de três meses depois, no dia 15 de Outubro de 2010, a FC Porto SAD enviou um novo comunicado à CMVM para informar o mercado que tinha alienado 37,5% dos direitos económicos do João Moutinho por 4.125.000€ à Mamers B.V.
No dia 3 de Agosto, a SAD portista informou ter readquirido, por 4.000.000€, 22,5% dos direitos económicos do João Moutinho ao Soccer Invest Fund – Fundo Especial de Investimento Mobiliário Fechado, Fundo este ao qual a Mamers B.V. cedeu a sua posição contratual relativamente aos direitos económicos que detinha.»
in Reflexão Portista, 03 de Agosto de 2011



Dos negócios acima descritos, relativamente ao passe do João Moutinho, temos que:
1. Em 4 de Julho de 2010 adquirimos 100% por 11,0 milhões;
2. Em 15 de Outubro de 2010 alienamos 37,5% por 4,125 milhões (100% = 11 milhões);
3. Em 3 de Agosto de 2011 recompramos 22,5% por 4,0 milhões (100% = 17,7(7) milhões);
4. Em Outubro de 2011 alienamos à Mamers BV e em Agosto 2011 adquirimos à Soccer Investment Fund;
5. Até um novo negócio no passe de João Moutinho a FC Porto SAD está a perder 1,525 milhões (adquiriu 22,5% por 4,0 milhões, que ao valor nominal valeriam 2,475 milhões). É verdade que o jogador poderá ter valorizado 6,7(7) milhões entre Outubro de 2010 e Agosto de 2011 dada a extraordinária época realizada pelo próprio e pela equipa. Mas também é verdade que desde Agosto 2011 o seu passe não mais foi negociado pelo que existe para já uma perda contingente. Este negócio só se entende no caso de o FC Porto ter tido uma proposta iminente para vender João Moutinho antes de Agosto 2011 por um valor superior a 17,7(7) milhões por 100% do passe.


«(...) Embora a FC Porto SAD tenha o bom hábito de identificar o nome dos fundos com quem trabalha, quer nos comunicados que envia à CMVM, quer nos relatórios & contas, não é claro quem são as pessoas/empresas que estão por trás desses fundos, nem tão pouco se também mantêm negócios, ou relações contratuais, com clubes concorrentes do FC Porto.»
in Reflexão Portista, 05 de Agosto de 2011


Em 28.02.2012 o jornal PÚBLICO publicou um artigo na sequência de uma investigação aos detentores de percentagens dos passes de jogadores dos três grandes. Esse artigo, entre outras coisas, diz o seguinte:

«Há jogadores do FC Porto que estão parcialmente nas mãos de empresas holandesas, luxemburguesas, inglesas e maltesas. (…) Um dos negócios mais curiosos envolve João Moutinho. O FC Porto comprou o passe do médio ao Sporting em Julho de 2010 por 11 milhões de euros e três meses depois vendeu 37,5% a uma empresa holandesa chamada Mamers B.V, por 4,125 milhões. Segundo os dados obtidos pelo PÚBLICO na base de dados de empresas D&B, esta sociedade é detida por uma fundação (Stiching Mamers), cujos corpos directivos são o empresário português António Fernando Maia Moreira de Sá e o filho Flávio Moreira de Sá. António Moreira de Sá é um empresário do Norte do país com interesses na construção civil e também membro suplente do conselho superior do FC Porto (um órgão consultivo do clube).

O PÚBLICO questionou a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) para saber se existe alguma incompatibilidade, algo a que o órgão regulador respondeu negativamente: "Nessa data, António Fernando Moreira de Sá não integrava os órgãos sociais da Futebol Clube do Porto - Futebol SAD." O PÚBLICO também tentou obter uma explicação do FC Porto (que recusou responder a perguntas) e de António Moreira de Sá, que não se disponibilizou para falar.

As movimentações em torno do passe de João Moutinho, porém, não ficaram por aqui. A dado momento (entre Outubro de 2010 e Agosto de 2011), esses 37,5% dos direitos económicos de Moutinho foram cedidos ao Soccer Invest Fund, um fundo registado na CMVM cujos nomes dos accionistas não são conhecidos publicamente (só o regulador sabe quem são). Este fundo é gerido pela MNF Gestão de Activos, uma empresa que tem entre os seus administradores João Lino de Castro, que à data da venda de Moutinho ao FC Porto era secretário da mesa da assembleia-geral do Sporting e em Setembro de 2010 foi cooptado para a administração da SAD leonina, então presidida por José Eduardo Bettencourt. Em Agosto de 2011, o Soccer Invest Fund vendeu 22,5% do passe de Moutinho ao FC Porto, por 4 milhões de euros, ficando com 15%.

Também aqui a CMVM recusa a existência de qualquer incompatibilidade, até porque "na data em que foi comunicada esta transacção entre o Soccer Invest Fund e a Porto SAD, João Lino de Castro não integrava os órgãos sociais da Sporting SAD." O PÚBLICO também tentou ouvir o ex-administrador leonino, mas não foi possível.
(…)
Percentagens sem dono conhecido
Na análise que fez aos relatórios das sociedades anónimas desportivas (SAD) do Benfica, FC Porto e Sporting e aos comunicados enviados à CMVM, o PÚBLICO deparou-se com algumas dúvidas sobre o paradeiro de partes de passes de jogadores dos três "grandes". É o caso de 5% de Hulk e 10% de James Rodríguez (FC Porto), (…). O FC Porto detinha 90% de Hulk mas no último relatório anual aparece apenas 85%. A explicação é que os restantes 5% terão sido cedidos à empresa Maxtex, embora o clube não comente oficialmente. No caso de James Rodríguez, o FC Porto comprou 70%, depois vendeu 35% e recomprou 30%. Ou seja, deveria ter 65% e não os 55% que constam do relatório.»
PÚBLICO, 28 de Fevereiro de 2012


Como é possível concluir deste excelente trabalho jornalístico do PÚBLICO, transparência e ética são valores que escasseiam nos recentes negócios envolvendo jogadores do FC Porto. Exemplo: um membro do Conselho Consultivo lidera uma empresa (Mamers, BV) que negoceia com a SAD em passes de jogadores.

É também interessante observar que, embora lideradas por portugueses, as empresas com quem a SAD tem desenvolvido mais negócios estão sediadas na Holanda, Malta, Inglaterra ou Antilhas Holandesas.

Nota: Este artigo é acompanhado pela infografia publicada no jornal PÚBLICO e que ilustra o artigo acima citado. Clique na imagem para ampliar.

2 comentários:

Miguel Magalhães disse...

Reflexão interessante sobre um tema que eu diria que é pouco claro e que, por isso, se presta a especulações.

Eu acrescentaria o seguinte: se assumirmos que esta é a forma que a SAD encontra para financiar os seus investimentos (parceiros financeiros), então essas diferenças negativas entre compras e vendas podem ser encaradas como o custo de financiamento. Se assim for, poderemos concluir que esse custo é elevado.

Temos depois o tema da transparência e podemos sempre alegar que aqui poderá estar o segredo do negócio. Pessoalmente, não gosto. Considero que à mulher de César não basta ser séria, tem que parecer. E neste caso, creio que quaisquer dúvidas sobre a seriedade/integridade destes negócios/parceiros serão legítimas.

Adicionalmente, a localização das empresas parceiras em vários países conhecidos por terem estruturas fiscais favoráveis e algum secretismo na informação sobre os detentores de capital, só contribui para as referidas dúvidas.

Por fim, quero acreditar que, sendo a SAD auditada por uma empresa conceituada, estando sujeita às regras da CMVM e tendo órgãos de fiscalização adequados, quem tem capacidade para fiscalizar e esclarecer estas dúvidas, o fará.

José Rodrigues disse...

Alguns comentarios soltos:

1) a minha confianca nos auditores (tanto os pagos pela SAD como a CMVM) para esclarecer estes negocios pouco claros e' ZERO. Quem estiver 'a espera disso, bem pode esperar sentado.

2) acredito (com base em informacao “solta” incompleta ainda q extensa e publica) q muitos negocios com passes se possam dever, em diferentes graus (dependendo da operacao em concreto) a uma mistura de duas coisas: 1) financiamento alternativo 'a banca (para suprimir necessidades de tesouraria) com 2) favores a parceiros, amigos e compinchas. Nao vou ao ponto de afirmar q membros da SAD por vezes beneficiem pessoalmente disto, mas tb nao excluo a possibilidade.

3) Acredito tb q tudo seja feito de forma perfeitamente legal. Mas uma coisa e’ as operacoes serem legais, outra coisa e’ serem eticas ou a 100% nos interesses do FCP.

4) Acredito tb – e piamente - q isto nao e’ um exclusivo do FCP, nem pouco mais ou menos. Alias, um caso muito mais grave e de dimensao muito maior teve lugar com a operacao da venda do Alverca pelo LFV a uma empresa com morada ficticia em Inglaterra, q nunca foi investigada ou minimamente esclarecida.